sexta-feira, 3 de setembro de 2010

A Psicoterapia Psicodinâmica tem ou não tem eficácia?


Estava lendo um artigo denomidado A Eficácia da Psicoterapia Psicodinâmica publicado recentemente por Jonathan Shelder, pesquisador e "amante" da teoria psicodinâmica. Abaixo, minha reflexão.

De acordo com o autor há a crença disseminada entre os profissionais, acadêmicos, e em muitos leigos, de que os conceitos e tratamento psicodinâmicos carecem de apoio empirico ou que inumeras evidências científicas demonstram que outras formas de tratamento são mais efetivas. No entanto, tais afirmativas não são verídicas.
Diversos estudos de meta-análise sobre as terapias psicodinâmicas demonstram sua eficácia no tratamento de diversos transtornos mentais. Segundo os estudos citados no artigo, a abordagem psicodinâmica demonstrou grande efetividade em praticamente todos os transtornos avaliados nesses estudos: transtornos somáticos, transtornos de personalidade (como o Transtorno de Personalidade Borderline, entre outros. Nem todos os estudos comparavam a efetividade do modelo psicodinâmico com o modelo cognitivo-comportamental, mas os estudos que faziam tal comparação demonstraram uma maior efetividade no primeiro modelo (lembrando que ambos se mostraram efetivos). Uma hipótese seria a de que a cognição não é o elemento mais determinante de mudança nas psicoterapias, mas sim os elementos afetivos, com os quais a abordagem psicodinâmica supostamente trabalha de forma mais enfática. É preciso, também, lembrar que tais estudos não conseguem afirmar exatamente quais técnicas estão sendo mais efetivas para tais mudanças e o próprio autor aborda o fato de que tais dados não necessariamente corroboram as teorias ou modelo de tratamento psicanalíticos. Do mesmo modo que estudos sobre a efetividade das terapias cognitivas não possam afirmar precisamente se seus beneficios se devem as mudanças cognitivas almejadas pelos terapeutas. Há a hipótese de que existiriam os "universais" das psicoterapias - as técnicas que provavelmente são utilizadas em todos os modelos psicoterápicos. Um exemplo seria a "escuta empática" (segundo o modelo cognitivo), chamada de "audiência não punitiva" na teoria comportamental do Skinner, que afirmava que não punir o paciente permite que ele execute comportamentos (principalmente verbais) que a sociedade condena (pune), evitando assim o comportamento de "esquiva" e possibilitando reduzir, ou mesmo extinguir completamente determinados comportamentos (respostas), algo que Freud provavelmente percebia há muito tempo, embora tenha fornecido suas próprias interpretações.
Uma última questão a se avaliar, é que tais estudos não focam na eficácia de técnicas específicas das psicoterapias psicodinâmicas e nem na psicoterapia aplicada em indivíduos diagnósticados com transtornos específicos, o que nos forneceria mais dados para termos uma ideia mais clara sobre o que pode haver de efetivo dentro das técnicas utilizadas e em quais transtornos se mostram mais efetivos (algo que sem os estudos só podemos hipotetizar). Bem, provavelmente há mais artigos que tratam do assunto, inclusive sobre a efetividade da TCC, mas isso fica pra outro momento.

Seguem-se algumas informações retiradas do artigo.

As características que distinguem a terapia psicodinâmica de outras formas de terapia são:

1. Foco no afeto e expressão das emoções
2. Exploração de tentativas de evidar pensamentos e sentimentos angustiantes
3. Identificação de temas e padrões recorrentes
4. Discussão de experiência passada
5. Foco nas relações interpessoais
6. Foco no relacionamento terapêutico
7. Exploração das fantasias

A primeira grande meta-análise de estudos sobre os resultados de psicoterapia incluiu 475 estudos e resultou em uma magnitude de efeito global (vários diagnósticos e tratamentos) de 0.85 para pacientes que receberam psicoterapia comparados com controles não tratados.
A influente revisão de Lipsey e Wilson tabulou resultados para 18 meta-análises relativas aos resultados de psicoterapia geral, que tinham uma média de magnitude de efeito de 0.75. Ele também tabulou resultados de 23 meta-análises relativas aos resultados da TCC e modificação comportamental, que teve uma magnitude de efeito médio de 0.62. Uma meta-análise de Robinson, Berman, e Neimeyer (1990) resumiu os achados de 37 estudos de psicoterapia preocupados especialmente com os resultados no tratamento da depressão, que tinham uma magnitude de efeito global de 0.73. Estes são efeitos relativamente grandes.
A Cochrane Library publicou um estudo metodologicamente rigoroso de psicoterapia psicodinâmica, que incluiu 23 ensaios clínicos randomizados de 1431 pacientes. O estudo comparou pacientes com uma série de desordens mentais comuns que receberam terapia psicodinâmica de curto-prazo (<> 9 meses após o tratamento). Além das mudanças nos sintomas gerais, a meta-análise relatou uma magnitude de efeito de 0.81 para mudança em sintomas somáticos, que aumentaram para 2.21 em um acompanhamento de longo-prazo; um magnitude de efeito de 1.08 para mudança em avaliações de ansiedade, que aumentaram para 1.35 no acompanhamento; e uma magnitude de efeito de 0.59 para mudança em sintomas depressivos, que aumentaram para 0.98 no acompanhamento. A consistente tendência para tamanhos de efeito maiores no follow-up sugere que a terapia psicodinâmica põe em movimento os processos psicológicos que levam à mudança em curso, mesmo depois do término do tratamento. Uma meta-análise relatada no American Journal of Psychiatry examinou a eficácia da terapia psicodinâmica (14 estudos) e da TCC (11 estudos) para transtornos de personalidade. A meta-análise relatou tamanho de efeito do pré-tratamento ao pós-tratamento usando o follow-up mais longo disponível. Para a terapia psicodinâmica (tempo médio de tratamento foi de 37 semanas), o período médio de acompanhamento foi de 1.5 anos e a magnitude de efeito do pré-tratamento ao pós-tratamento foi de 1.46. Para a TCC (tempo médio de tratamento foi 16 semanas), o período médio de acompanhamento foi de 13 semanas e o tamanho do efeito foi 1.0. Os autores concluíram que ambos os tratamentos demonstraram efetividade. Uma mais recente revisão da terapia psicodinâmica de curto-prazo (média de 30.7 sessões) para transtornos de personalidade incluiu dados de sete ensaios clínicos randomizados. O estudo avaliou o resultado do mais longo período de acompanhemento (uma média de 18.9 meses pós-tratamento) e relatou uma magnitude de efeito de 0.91 para melhora dos sintomas gerais (N = 7 estudos) e 0.97 para a melhora no funcionamento interpessoal (N = 4 estudos). Os achados relativos aos transtornos da personalidade são particularmente intrigantes. Um recente estudo de pacientes com Transtorno de Personalidade Borderline não só demonstrou os beneficios do tratamento que igualou ou excedeu aqueles de outros tratamentos baseados em evidências, como terapia comportamental dialética (Linehan, 1993), mas também mostrou mudanças no mecanismos psicológicos subjacentes (processos intrapsíquicos) que se acredita medeiam a mudança dos sintomas nos pacientes borderlines (especificamente, mudanças na função reflexiva e organização da vinculação; Levy et al., 2006). Essas mudanças ocorrem nos pacientes que receberam psicoterapia psicodinâmica, mas não nos pacientes que receberam terapia comportamental dialética.


NOTA SOBRE A METODOLOGIA DE ESTUDO

A meta-análise é um método vastamente aceito de resumir e sintetizar os resultados de estudos independentes. A meta-análise torna os resultados de diferentes estudos comparáveis convertendo os resultados em uma métrica comum, permitindo que os resultados sejam agregados ou agrupados através de estudos. Uma métrica amplamente utilizada é a "magnitude de efeito", que é a diferença entre o grupo controle e o grupo de tratamento, expressada em unidades de desvio padrão. Uma magnitude de efeito de 1.0 significa que a média de pacientes tratados é um desvio padrão mais saudável que na distribuição normal ou "curva de bell" do que a média de pacientes não tratados. Em pesquisas médicas e psicológicas, uma magnitude de efeito de 0.8 é considerada um grande efeito, uma magnitude de efeito de 0.5 é considerada um efeito moderado, e uma magnitude de efeito de 0.2 é considerada um efeito pequeno.

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